01 fev 2018

LAURO DOMINGOS MORETTO

Lauro D. Moretto é farmacêutico-bioquímico, formado em 1963 pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. Atuou como docente na referida faculdade no período de 1964 a 2008, tendo sido docente das disciplinas Química Analítica Quantitativa, Tecnologia Químico-Farmacêutica e Supervisão da Produção. É Mestre em Tecnologia Químico-Farmacêutica e Doutor em Ciências dos Alimentos, pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. Ministra aulas em Cursos de Pós Graduação, faz conferências em Faculdades no Brasil e no exterior.

Desenvolveu atividades profissionais em cargos técnicos e de direção de 1961 a 1992 nas indústrias farmacêuticas: Johnson & Johnson do Brasil, Instituto de Angeli do Brasil e Boehringer Ingelheim Brasil. Desde 1992 é Vice-Presidente Executivo do Sindusfarma – Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo.

É autor do livro “Gerenciamento da Produção para Farmacêuticos”, coautor de 45 livros técnico-regulatórios e de segurança no trabalho que compõem coletâneas do Sindusfarma. É coordenador de 5 livros institucionais do Sindusfarma. É autor de artigos científicos e de divulgação sobre assuntos de gestão e de temas da regulamentação sanitária.

Atuou como membro da CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança do Ministério da Ciência e Tecnologia, como Conselheiro do CNS – Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e do CONCEA – Conselho Nacional do Controle da Experimentação Animal do Ministério de Ciência e Tecnologia. Atuou como membro da Comissão Permanente da Farmacopeia Brasileira da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde e agora é membro do Conselho Deliberativo da Farmacopeia Brasileira da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

Foi distinguido com o Diploma de Menção Honrosa do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo, Membro Emérito do Conselho Federal de Farmácia, Colar Candido Fontoura do Mérito Industrial Farmacêutico do Sindusfarma. É Membro Titular da Academia Nacional de Farmácia desde 2004, tendo sido eleito Presidente para a gestão de 2011-2013 e reeleito para o período de 2013-2015.

Discurso de posse como Membro Titular na Academia Nacional de Farmácia

Acadêmico Caio Romero Cavalcanti
DD Presidente da Academia Nacional de Farmácia
Senhores componentes da mesa
Senhoras, Senhores e Jovens

Saudação

A vida nos reserva surpresas e alegrias. Foi com surpresa, uma especial surpresa quando, através do Prof. Luiz Gonçalves Paulo, tomei conhecimento de que a Academia Nacional de Farmácia tinha me acolhido como um de seus membros.

À surpresa inicial adveio a honra e alegria de ter sido agraciado com tão significativa e importante distinção.

Ao sentimento de honra juntou-se o orgulho de saber que ocuparia a cadeira nª 4, que foi de Christovam Buarque de Hollanda.

Ao privilégio de me saber herdeiro de tão insigne figura somou-se o peso da responsabilidade de dar continuidade ao grandioso trabalho realizado pelas gerações precedentes de farmacêuticos.

Nunca imaginei chegar à Academia Nacional de Farmácia. Humildemente, estava convencido de que outros colegas valorosos tinham mais méritos para ocupar uma posição de tanto realce.

Se hoje me incorporo, emocionado, à Academia Nacional de Farmácia, devo essa homenagem à insistência de um amigo, que de tudo fez para que a mesma acontecesse. Esse amigo e companheiro, de muitos anos, é Vicente Nogueira, a quem agradeço por seus esforços e entusiasmo nesta empreitada típica de um padrinho.

Esta é uma solenidade com conteúdo social, muito diferente das reuniões que fazemos neste auditório. Ela faz referência a ações e reflexões que ocorreram num passado distante e também recente.

Ações e reflexões que fazem parte do passado representam marcos sobre os quais nos apoiamos, para que possamos atingir objetivos e metas, que esperamos possam ocorrer no futuro.

Gostaria muito de resgatar feitos do passado remoto, lembrando Hipócrates e de forma particular Galeno, talvez o mais famoso médico e farmacêutico de nossa História.

Do passado não muito distante temos apenas alguns fragmentos. Destes, se constata que nossos antepassados propugnavam por uma vida melhor para os brasileiros, muito focada no atendimento farmacêutico e na busca de novos remédios. Era essa a visão dos farmacêuticos e médicos, na época em que ainda não existia a Indústria Farmacêutica.

Numa breve abstração, se voltássemos às últimas décadas do século XIX, iríamos encontrar um reduzido grupo de idealistas que obstinadamente buscavam minorar o sofrimento de seus conterrâneos. Muitos de nossos colegas, lutavam para combater a peste, a varíola, a malária, a tuberculose, a poliomielite e acima de tudo as infeções.

Christovam Buarque de Hollanda, brasileiro de Pernambuco, fazia parte deste grupo de idealistas. Sua principal bandeira era a do conhecimento e sua difusão. Foi um dos líderes que propugnava pela criação de uma Escola Livre de Farmácia para a cidade de São Paulo, na expectativa de que os problemas da saúde da população seriam resolvidos ou minimizados com mais farmacêuticos.

Notas históricas

O ciclo de evolução da profissão farmacêutica no Brasil contém fatos marcantes, a maioria deles desconhecida da população e também de muitos profissionais de nossa categoria. Nestes se encontram ações que germinaram e que continuam a se multiplicar entre nós.

Valendo-me dos registros da Profª Maria Aparecida Pourchet Campos, em seu livro “A vida da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo” editado em 1984, encontramos notas históricas que nos remetem aos primórdios do ensino farmacêutico em São Paulo. Destes registros extraí alguns fatos que nos permite compreender e interpretar a evolução da profissão farmacêutica estruturada, como idealizada por vários representantes de nossa sociedade.

Até 1889, o único estabelecimento de ensino superior existente na então Província de São Paulo era a Faculdade de Direito. Em 1893 foi criada a Escola Politécnica. Atendendo aos anseios de uma coletividade ainda em estruturação, a Lei 19, datada de 24 de novembro de 1891, autorizava a criação de uma Academia de Medicina, Cirurgia e Farmácia, na cidade de São Paulo. Para esta instituição ficaram reservados quinhentos contos de réis do orçamento do Estado.

Desde então, inúmeras foram as atividades e manifestações, muito especialmente da Sociedade Farmacêutica Paulista, criada em 1894. Christovam Buarque de Hollanda, era o 1º Secretário da novel associação que congregava 8 Diretores e 12 outros sócios fundadores.

A Revista Pharmaceutica, órgão oficial da Sociedade Farmacêutica Paulista, em sua edição de 15 de maio de 1895, tinha o seguinte editorial: “São Paulo tem necessidade de uma instituição d’onde saiam moços capazes de trabalhar em química, habilitados para a indústria e com coragem e conhecimentos bastantes para se enfrentarem com as dificuldades de uma análise séria e importante”.

Em 1896, na mesma revista aparecia o editorial “a missão do Governo não está terminada.. Uma Escola de Farmácia Modelo, talhada nos moldes das da França, Rússia e outros países onde o farmacêutico é justamente respeitado como um homem de ciência pela perfeição do
ensino que recebe, viria completar o ciclo dessas reformas que têm proporcionado ao Estado de São Paulo lugar proeminente na Federação brasileira”.

Muitos nomes, dentre os quais se incluem Frederico Schaumann, José Eduardo Macedo Soares, Bráulio Gomes, Luiz Manoel Pinto de Queiroz, João Baptista da Rocha, Luiz Cursino, José de Paula Souza Camargo, França Pinto, Joaquim Mariano da Rocha, além de Christovam Buarque de Hollanda que hoje se prestam à identificação de ruas ou dar nome a instituições de ensino, estão ligados à criação ou direção da Escola de Farmácia, precursora de nossa Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo.

A Bráulio Gomes coube o privilégio de ser o primeiro Diretor da Escola de Farmácia criada em 12 de Outubro de 1898, bem como a ele coube a tarefa desafiadora de fazer funcionar e prosperar um ideal de muitos de nossos compatriotas.

Christovam Buarque de Hollanda fez parte da primeira relação de docentes da Escola de Farmácia, tendo sido designado catedrático da disciplina de Botânica I, tendo como colega Alfredo Loefgren que se ocupou da cátedra de Botânica brasileira.

Passados mais de um século, apesar da criação de muitas outras faculdades de Farmácia, da inserção do Brasil no rol dos grandes produtores de medicamentos, da existência de um considerável número de farmacêuticos no mercado de trabalho e de suas dedicadas atuações, é possível verificar que os problemas na pesquisa, na produção, no controle, na dispensação de medicamentos e outras atividades correlatas, ainda são muitos.

Com estas constatações tem-se a impressão de que os ideais de Christovam Buarque de Hollanda não foram atingidos. No entanto, imaginem em que estágio estaríamos hoje se o que ocorreu no passado não tivesse sido realizado.

O desafio

Se fizermos uma abstração, transportando-nos para o período de criação de nossa Escola de Farmácia, certamente iríamos constatar que nossos colegas daquela época não poderiam prever a espetacular evolução das ciências farmacêuticas. Em um pouco mais de 100 anos, essa evolução foi simplesmente espetacular.

Somente para lembrar, em pouco mais de um século, muitas doenças foram enfrentadas, com balanço favorável em nosso favor. Algumas foram erradicadas, como o caso da varíola e da paralisia infantil; outras apenas contidas, como sarampo, febre amarela, certos tipos de infeções, cardiopatias, etc; muitas ainda nos desafiam, como os diferentes tipos de câncer, aids, hipertensão, diabetes, Alzheimer, mal de Parkinson, mal de Chagas, etc.

Sem ter a preocupação crítica com o que ocorreu no passado, ou seja até aqui, mas olhando para o futuro, é possível identificar muitos desafios que ainda temos que enfrentar em nossa profissão.

Afirmar que nossa profissão tem como finalidade apenas trabalhar, ou seja produzir, controlar, pesquisar, ensinar, atender, etc, não é tudo.

Afirmar que a contribuição de nossa profissão na evolução da qualidade de vida é grande, não é a máxima recompensa que almejamos.

Certamente também não é verdadeiro que tenhamos atingido o máximo nível de desenvolvimento que poderia ter sido alcançado.

No campo da saúde, em nível mundial, constata-se que “o homem sofre física e economicamente”. Sofre fisicamente porque não se dispõe de medicamentos apropriados para uma grande variedade de moléstias e economicamente porque não existe recursos para o acesso aos medicamentos que já estão disponíveis.

Por isso, dizer que estamos plenamente satisfeitos não é uma expressão verdadeira. Ainda temos muitos desafios a enfrentar.

O estágio atual do processo evolutivo dos medicamentos, seja do ponto de vista científico quanto do tecnológico, é simplesmente espetacular. Porém, ele pode ainda ser superior.

Os diferentes ramos das ciências físicas, químicas e biológicas estão cada vez mais interligados, atingindo sinergia próxima dos modelos idealizados na ficção. Destas interações surgiram, estão surgindo e surgirão novos medicamentos que, até algumas décadas atrás, pareciam inimagináveis.

Exemplos desta evolução não faltam, que caracterizam novos princípios ativos originados das sínteses químicas e conhecimentos da biologia e da genética, que colocaram à disposição da classe médica inúmeros medicamentos novos no “arsenal terapêutico”. A essas inovações se incorporam novos recursos físicos para fins de diagnóstico.

Por outro lado, a capacidade tecnológica inovadora ultrapassou os limites da imaginação, tanto na química fina quanto na clássica tecnologia farmacêutica, mas muito especialmente na biotecnologia e na nanotecnologia. Nestas últimas estão depositadas as nossas maiores esperanças na luta contra as enfermidades que ainda nos desafiam.

Nesse contexto, dizer aos novos farmacêuticos que ainda temos muito a pesquisar, produzir e controlar, parece desnecessário.

A postura de mudança, que poderá nos levar para um futuro melhor tem que ser assumida. Para que isso aconteça temos que mudar nossa estratégia, planejar a mobilização dos recursos existentes e dos novos que precisaremos e começar a mudar as práticas.

Se por um lado, estamos ansiosos por momentos de alegria e satisfação, temos que estar preparados para aqueles períodos de provação, que também chegam juntos e geralmente são sucessivos.

Uma análise acurada de tudo o que assistimos e de tudo o que participamos, nos permite identificar as ineficiências cometidas. Esta é a parte de nossas decepções e tristezas.

Estes períodos de privações e decepções representam, para cada um de nós, motivação para revisar metas e objetivos, rever valores, replanejar atividades, para reprogramar o futuro. Significa, em outras palavras, nossos desafios em busca de uma vida melhor.

Por falar em vida melhor, entenda-se que não significa apenas o bem estar profissional, pessoal ou familiar, mas também o bem estar de toda uma coletividade que usufrui de nosso conhecimento e de nossas habilidades.

Capitular diante de tantos desafios parece ser o caminho de alguns, enquanto que outros se colocam na posição ofensiva para enfrenta-los. Mesmo que neste momento sejamos impotentes para enfrentar, de forma efetiva, as moléstias que nos desafiam, toda e qualquer
forma de resignação tem que ser combatida.

Em outras palavras, o conformismo e o desalento não podem ser nosso destino.

Na qualidade de Acadêmico desta entidade, não posso mostrar-me conformado com o injusto tratamento que dispensamos a nossos patrícios.

Temos que lutar por uma assistência farmacêutica extensiva a todos que dela precisam, mesmo que não tenham dinheiro para pagar pelos medicamentos.

Tenho certeza que meus pensamentos se juntam aos dos companheiros desta Academia e a de tantos outros nossos patrícios.

Espero que no futuro distante, alguém se lembre de nossos brados por apoio às pesquisas no sentido de encontrarmos solução para problemas já conhecidos, bem como pela instituição de programas de assistência farmacêutica a todos os brasileiros que dela necessitam, da mesma forma que Christovam Buarque de Hollanda bradava pela criação de uma Escola de Farmácia, que a seu ver viria suprir o atendimento farmacêutico que a população brasileira necessitava.

Imaginem o que seria de nosso setor industrial farmacêutico se não tivéssemos tido Christovam Buarque de Hollanda.

É imprescindível formar profissionais farmacêuticos e outros não farmacêuticos que possam atuar com sucesso nas pesquisas que ainda serão realizadas e que nos ajude a encontrar um eficiente mecanismo para a assistência e atendimento farmacêutico.

O papel da Academia Nacional de Farmácia

A Academia Nacional de Farmácia congrega pessoas que já demonstraram ter dado muitas contribuições para as suas respectivas categorias profissionais.

Em princípio poder-se-ia deduzir que o fato de já terem dado contribuições estariam agora na condição de usufruir alguns momentos de fama, isentando-se de novas ações.

Esse é o grande diferencial. Agora, com a experiência de vida, não só profissional, têm maiores condições de dar suas mais importantes contribuições para a coletividade.

Muito provavelmente suas ações agora se constituam de reflexões, processo codificado para ações que terceiros poderão adotar e implementar.

As reflexões, de um modo geral, constituem avaliações entre desvios de padrões de desempenho em relação a ideais desejados ou fatos consolidados. Fatos consolidados constituem-se de desvios de padrões de desempenho que são conhecidos, mas que parece que estão incorporados à nossa cultura, que nos condenam a conviver com os mesmos, pois parece que para eles não há solução.

Nesses desvios se incluem omissões, negligência, falhas, ineficiência e erros, diariamente constatados.

As percepções são formas especiais de analisar nossas deficiências, que nos orientam para ações de melhorias.

Embora não constituam problemas, algumas deficiências, quando tratadas adequadamente representam oportunidades de melhorias.

Tudo o que pudermos fazer para reduzir ou eliminar as omissões, negligências, falhas e erros, se refletirão em maior eficiência e com menores perdas. Consequentemente, promoverão redução de custos de nossos produtos e de serviços, facilitando o acesso aos medicamentos pela população e maior possibilidade de custeio dos mesmos por parte do governo. Tudo isso tem a ver com o futuro.

Fazendo uma abstração do que será daqui a 100 anos, estou certo de que algum registro será feito a partir do estágio onde estamos e de onde estarão, para citar feitos espetaculares conseguidos por nossa atual geração de cientistas brasileiros.

Tenho fé na capacidade criativa dos atuais e especialmente dos novos cientistas, muitos dos quais serão relembrados por seus feitos, como aqui lembramos vários deles, inclusive Christovam Buarque de Hollanda.

Aos meus colegas do Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, quero registrar meu especial agradecimento pelo apoio que me prestam e por manterem inabalada a missão de ensinar nossos jovens.

Quero registrar o apoio decisivo e incentivo constante de meus mentores e superiores, sem os quais certamente não teria conseguido alcançar muitos objetivos em minha carreira profissional. Aqui no Sindusfarma recebi apoio para a meta pragmática estabelecida por
Omilton Visconde, apoio objetivo de Gianni Franco Samaja para implementação de programas do Sindusfarma e, atualmente, de Ciro Mortella e de Omilton Visconde Júnior para os planos e programas da Febrafarma e Sindusfarma, aos quais sinceramente agradeço.

Agradeço também a todos aqueles que ajudaram e me ajudam, nas atividades que desenvolvi e que estou desenvolvendo, que contribuíram sobremaneira para esse reconhecimento público.

Não posso deixar de registrar meus agradecimentos à nossa equipe interna, que liderada por Raquel Toledo, se encarregou, em conjunto com a Academia Nacional de Farmácia, de organizar esta recepção.

Registro especial tenho que fazer a meus filhos Reinaldo e sua esposa Sandra e Regina e seu esposo Sérgio e, muito especialmente ao Enzo, meu netinho querido, que juntos à minha esposa Marilena, são minha razão de viver.

Quero encerrar voltando a falar do futuro.

Como disse Peter Drucker, do futuro sabemos apenas duas coisas: a primeira – não sabemos como será; a segunda – não será como foi no passado.

Por isso, se não for como foi no passado e se não sabemos como será o futuro, resta-nos apenas desenvolver e implementar ações para forjá-lo, usando nosso conhecimento, nossa capacidade criativa e nossa liderança.

Assim fizeram nossos colegas, há mais de um século, que ajudaram a forjar um futuro que, certamente, foi muito além do que poderiam prever.

Ocupar a posição que foi de Christovam Buarque de Hollanda, na Academia Nacional de Farmácia, coloca-me na condição e na obrigação de poder dar alguma digna contribuição à coletividade
brasileira.

Espero ter forças e um pouco de engenho e arte para estar à altura desse desafio e da honraria que me está sendo concedida.

Muito obrigado a todos.

Lauro Domingos Moretto

São Paulo, 29 de Março de 2005.

Discurso de posse como Presidente da Academia Nacional de Farmácia

Acadêmico Caio Romero Cavalcanti

Digníssimo Presidente da Academia Nacional de Farmácia, em nome do qual saúdo todos os membros da mesa, já nominados (Dr. Roger Williams – Vice Presidente Executivo da United States Pharmacopeia, Dr. Dirceu Barbano – Diretor Presidente da Anvisa, Dr. Jaldo de Souza Santos – Presidente do Conselho Federal de São Paulo, Dr. Nelson Augusto Mussolini Vice-Presidente Executivo do Sindusfarma e Dr. Pedro Eduardo Menegasso, Diretor Financeiro do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo).

Prezados Acadêmicos

Senhoras e Senhores

A Academia Nacional de Farmácia registra mais uma etapa de sua história.

Hoje, pela vontade e bondade de meus confrades, estou sendo conduzido à presidência da Academia Nacional de Farmácia.

Esta distinção, que muito me honra, também me impõe a responsabilidade de também honrar nosso passado brilhante.

Para compartilhar com aqueles que nos honram nesta solenidade, gostaria de resgatar alguns trechos da história desta entidade.

A Academia Nacional de Farmácia foi criada após um longo período de lutas de ilustres farmacêuticos, acumulando alegrias e decepções, conquistas e fracassos, na consolidação do sonho de poder contribuir para com a sociedade brasileira no campo das ciências farmacêuticas.

A profissão farmacêutica, no Brasil, à época de criação da Academia era constituída, principalmente, de boticários e farmacêuticos, muitos dos quais formados em países europeus.

Para citar alguns fragmentos da profissão em cerca de 510 anos de Brasil, valho-me de alguns extratos que fiz do livro DA BOTICA REAL AO LABORATÓRIO QUÍMICO FARMACÊUTICO DO EXÉRCITO, de autoria do Acadêmico João Paulo Vieira, aqui presente e de discursos que constam dos anais da própria Academia.

Resgatar a história das atividades dos boticários no Brasil desde as primeiras expedições colonizadoras até 1808 é uma tarefa muito difícil. Poderíamos começar lembrando Diogo de Castro, primeiro boticário que aqui aportou, integrante da comitiva de Thomé de Souza, em 1549.

No entanto, muitos brasileiros reverenciam o Padre José de Anchieta, considerado o verdadeiro primeiro boticário ou farmacêutico do Brasil, que chegou ao Brasil em 1553. Seu carisma entre os indígenas não foi fruto apenas de seus predicados religiosos, mas em muito de seus conhecimentos de plantas medicinais e de sua dedicação, solidariedade e caridade aos doentes.

Historicamente, os primeiros atos formais e legais da profissão farmacêutica no Brasil, estão relacionados a João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos Rafael, conhecido entre nós como o Príncipe Regente Dom João e posteriormente como Rei Dom João VI.

Em 21 de maio de 1808, Dom João, já instalado no Rio de Janeiro, declarou livre os portos e as indústrias no Brasil, criou o Banco do Brasil, a Academia de Belas Artes e dentre outras, também criou a Botica Real Militar. Esta última converteu-se em outros organismos, sendo hoje o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército, em plena atividade.

A criação da Botica Real Militar destaca a preocupação de Dom João em ter uma instituição que se ocupasse da elaboração dos medicamentos, principalmente, aos militares.

Em 1818 Dom João é coroado Rei, passando a ser designado por Dom João VI. A evolução das atividades farmacêuticas durante o período em que o Brasil foi sede do Reino, durante o período do Império até a proclamação da República, ainda merece ser reunida e compilada como legado para nossas futuras gerações.

Em decorrência dos estímulos, incentivos e modelos promovidos por D. João VI, no século XIX, os farmacêuticos criaram em 1916 a Associação Brasileira de Farmacêuticos. Em 1924, surge o Conselho Científico da Associação Brasileira de Farmacêuticos e deste, em 13 de agosto de 1937, a Academia Nacional de Farmácia.

No decorrer destes 74 anos de existência, a Academia Nacional de Farmácia pode contribuir de forma indelével para a sociedade brasileira, fruto do obstinado trabalho de seus líderes.

Nos anais da Academia constam coletâneas de trabalhos, organização e resumos de congressos, nomes de ilustres colegas, composições de diretorias, discursos sérios, sábias reflexões e alguns poemas que bem mereceriam serem lidos.

Desde os primórdios, muitos ideais foram transformados em realidade, dentre eles o da criação dos sindicatos para zelar e proteger os profissionais farmacêuticos, do Conselho Federal e dos Regionais para zelar pela ética e defender os interesses políticos da profissão. Esses órgãos redirecionaram os líderes da categoria, face às inúmeras demandas e problemas, ofuscando inclusive as atividades Academia.

Está na hora de retomarmos os ideais do Conselho Científico da Associação Brasileira de Farmacêuticos, que preconizava a criação de uma Academia para cuidar especificamente de assuntos científicos. Estes estão sendo ocasionalmente tratados por algumas entidades da categoria.

Durante os últimos anos integrei a equipe do Acadêmico Caio Romero Cavalcanti, esforçando-me para indicar nomes de cientistas para compor seu quadro associativo. Recentemente iniciamos programas de conferências de cunho científico que foram oferecidos para toda a comunidade e muito especialmente aos pesquisadores e profissionais da indústria farmacêutica.

Foi-nos possível reviver, também nestes últimos anos, os dias gloriosos da Academia. Ouvimos discursos dos novos acadêmicos, cada um deles citando pesquisas inovadoras, trabalhos originais, conquistas dignificantes, que se converteram em benefícios para a sociedade brasileira e internacional.

Estamos voltando às origens, na certeza de que o povo brasileiro encontrará nos membros da Academia Nacional de Farmácia motivo para se orgulharem do investimento que a sociedade fez nestes cientistas.

Se fizermos uma abstração, transportando-nos para o período de criação de nossa Academia, certamente iríamos constatar que nossos colegas daquela época não poderiam prever a espetacular evolução das ciências farmacêuticas. Em um pouco menos de 75 anos, essa evolução foi simplesmente espetacular.

Somente para lembrar, neste intervalo de tempo, muitas doenças foram enfrentadas, com balanço favorável em nosso favor. Algumas foram erradicadas, como o caso da varíola e da paralisia infantil; outras apenas contidas, como sarampo, febre amarela, certos tipos de infecções, cardiopatias, etc; muitas ainda nos desafiam, como os diferentes tipos de câncer, aids, hipertensão, diabetes, Alzheimer, mal de Parkinson, mal de Chagas, etc.

Sem ter a preocupação crítica com o que ocorreu no passado, ou seja, até aqui, mas olhando para o futuro, é possível identificar muitos desafios que ainda temos que enfrentar em nossa profissão.

Afirmar que nossa profissão tem como finalidade apenas trabalhar, ou seja produzir, controlar, pesquisar, ensinar, atender, etc, não é tudo. Afirmar que a contribuição de nossa profissão na evolução da qualidade de vida é grande, não é a máxima recompensa que almejamos.

Certamente também não é verdadeiro que tenhamos atingido o máximo nível de desenvolvimento que poderia ter sido alcançado.

No campo da saúde, em nível mundial, constata-se que o homem sofre física e economicamente. Sofre fisicamente porque não se dispõe de medicamentos apropriados para uma grande variedade de moléstias e economicamente porque não existem recursos para o acesso aos medicamentos que já estão disponíveis.

Por isso, dizer que estamos plenamente satisfeitos não é uma expressão verdadeira. Ainda temos muitos desafios a enfrentar.

O estágio atual do processo evolutivo dos medicamentos, tanto do ponto de vista científico quanto do tecnológico, é simplesmente espetacular. Porém, ele pode ainda ser superior.

Os diferentes ramos das ciências físicas, químicas e biológicas estão cada vez mais interligados, atingindo sinergia próxima dos modelos idealizados na ficção. Destas interações surgiram, estão surgindo e surgirão novos medicamentos que, até algumas décadas atrás, pareciam inimagináveis.

A capacidade tecnológica inovadora ultrapassou os limites da imaginação, tanto na química fina quanto na clássica tecnologia farmacêutica, mas muito especialmente na biotecnologia e na nanotecnologia. Nestas últimas estão depositadas as nossas maiores esperanças na luta contra as enfermidades que ainda nos desafiam.

Uma análise acurada de tudo o que assistimos e de tudo o que participamos, nos permite identificar ineficiências. Esta é a parte de nossas decepções e tristezas.

Estes períodos de privações e decepções representam, para cada um de nós, motivação para revisar metas e objetivos, rever valores, replanejar atividades, para reprogramar o futuro. Significa, em outras palavras, nossos desafios em busca de uma vida melhor.

Por falar em vida melhor, entenda-se que não significa apenas o bem estar profissional, pessoal ou familiar, mas também o bem estar de toda uma coletividade que usufrui de nosso conhecimento e de nossas habilidades.

Capitular diante de tantos desafios parece ser o caminho de alguns, enquanto que outros se colocam na posição ofensiva para enfrentá-los. Mesmo que neste momento sejamos impotentes para enfrentar, de forma efetiva, as moléstias que nos desafiam, toda e qualquer forma de resignação tem que ser combatida.

Em outras palavras, o conformismo e o desalento não podem ser nosso destino.

Temos que colocar nossa inteligência orientada para o ciclo virtuoso criação-invenção-inovação e lutar por uma assistência farmacêutica extensiva a todos o que dela necessitam.

Tenho certeza que esses pensamentos dos membros da Diretoria se juntam aos dos companheiros desta Academia e a de tantos outros nossos patrícios.

Espero que no futuro distante, alguém se lembre de nossos brados por apoio às pesquisas no sentido de encontrarmos solução para problemas já conhecidos, bem como pela instituição de programas de assistência farmacêutica a todos os brasileiros que dela necessitam.

Em nome dos colegas que compõem esta diretoria, quero deixar registrado nosso compromisso de lutar por nossos ideais, contribuindo para o desenvolvimento e disseminação das ciências farmacêuticas no Brasil.

Folheando alguns anais da Academia, encontrei um discurso feito em 1947, proferido pelo Acadêmico Prof. Dr. Jorge Saldanha Bandeira de Mello, orador oficial durante a solenidade comemorativa do 10º aniversário da Academia. Neste pronunciamento, constam alguns versos dos Lusíadas que fazem referência à fragilidade humana e insegurança que muito tem a ver com os desafios dos tempos atuais. Eis os versos de Luis de Camões.

Oh grandes e gravíssimos perigos!
Oh caminho de vida nunca certo!
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança.

No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida?
Que não se arme e se indigne o Ceo sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

Em nome de toda a Diretoria da Academia Nacional de Farmácia, renovo os agradecimentos àqueles que nos prestigiam neste evento.

Boa noite a todos.

São Paulo, 18 de agosto de 2011.