01 fev 2018

JOSÉ RICARDO DOS SANTOS VIEIRA

Nascido em 13 de novembro de 1965, é paraense, natural de Belém, Farmacêutico pela Universidade Federal, em 1985; mestre em Ciências Biológicas pela UFPA, em 1996; Doutor em Genética e Biologia Molecular pela UFPA e University College London em 2006. É professor de Bioquímica do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA, Coordenador do Laboratório de Análises Clínicas do ICB/UFPA, Diretor Tesoureiro do CRF-PA e membro da Comissão Assessora de Educação Farmacêutica do Conselho Federal de Farmácia. Atua na área de Bioquímica e Biologia Molecular na área de epidemiologia de doenças metabólicas.

Discurso de posse como Membro Titular na Academia Nacional de Farmácia

Prof. Dr. Lauro Domingos Moretto, presidente da Academia Nacional de Farmácia em nome do qual cumprimento todos os ilustres acadêmicos aqui presentes.

Dr. Walter da Silva Jorge João, Presidente do Conselho Federal de Farmácia e Acadêmico da Academia Nacional de Farmácia, em nome do qual saúdo todos os colegas farmacêuticos.

Dr. Daniel Jackson Pinheiro Costa, Presidente do Conselho regional de Farmácia, em nome do qual saúdo todos meus colegas Diretores e Conselheiros do Conselho Regional de Farmácia.

Autoridades presentes.

Meus familiares, amigos e alunos.

É com muita honra e emoção que hoje me encontro aqui para ocupar a Cadeira No. 66 da Seção de Ciências Naturais da Academia Nacional de Farmácia, que tem como patrono o Dr. Paulo Lacerda de Araújo Feio.

Para presenciar este ato, foram convidadas pessoas a quem me são caras pela presença constante em minha trajetória pessoal e profissional. Logicamente, não foi possível abrigar aqui todos os que estão alojados em meu coração. Por certo, a ausência mais dolorida é a de meus pais que, por recomendação médica em virtude de seus 91 anos, não estão aqui fisicamente, mas certamente estão (e sempre estarão) na primeira fila de minha história.

O primeiro sentimento que me invadiu quando tive conhecimento da confirmação de minha posse como membro titular e vitalício desta honrada Instituição foi: gratidão. Seja pela contribuição de tantos em minha formação profissional e pessoal (muitos aqui presente), seja pela generosidade de alguns poucos que se destacam entre tantos responsáveis pelos alicerces de minha carreira.

Dentre tantos a quem gostaria de agradecer, gostaria de citar, em especial, o Dr. Walter da Silva Jorge João, Acadêmico e presidente do Conselho Federal de Farmácia. Sou-lhe grato pelo apoio irrestrito à minha posse como membro titular da Academia Nacional de Farmácia. Somente você pode medir o alcance do apoio a esse simples servidor público que tem dedicado sua vida profissional ao ensino da bioquímica. A você, minha eterna gratidão.

Destaco, ainda, o Acadêmico Dr. Jurandir Auad Beltrão, mentor inicial desta indicação e amigo de longa data.

Também, distinto em meio a tantos queridos, sou grato ao Dr. Daniel Jackson Pinheiro Costa, presidente do Conselho Regional de Farmácia do Pará, incondicional amigo. Ser seu Vice-Presidente no CRF-PA tem sido um aprendizado diário e me revigora a cada missão cumprida.

Também sou imensamente grato ao Prof. Dr. Lauro Domingos Moretto, presidente da Academia Nacional de Farmácia, pela condução do processo que permitiu minha posse na presente cerimônia.

Imediatamente a este sentimento de gratidão, veio inquietante pergunta: “Por que eu? O que eu teria feito em minha carreira profissional para merecer tal honraria”? Sabedor da imensa responsabilidade política e profissional de me tornar membro titular da Academia Nacional de Farmácia, fui buscar na biografia do Dr. Araújo Feio, patrono da cadeira que ora ocupo, uma luz do que guia um homem a atingir tal merecimento.

Saibam, pois, que o Dr. Paulo Lacerda de Araújo Feio nasceu em 10 de janeiro de 1905 e formou-se em Farmácia em 1926, aos 21 anos, e iniciou uma carreira ímpar pela qual é lembrado e reverenciado ainda hoje. Ele foi um dos pioneiros nos anos áureos da Farmácia Brasileira, ocupando postos na Marinha Brasileira nunca antes atingido por nenhum outro civil, tamanho o comprometimento com seu ofício. Foi, também, produtor de inúmeros trabalhos e merecedor de outras tantas premiações e é considerado um gênio às vezes incompreendido por seu estilo impetuoso, porém uma unanimidade entre os pares e exemplo de homem de família e modelo de cidadão. Em uma época em que a Farmácia mais precisava de guardiães de sua confiabilidade perante a sociedade, o Dr. Araújo Feio não decepcionou a história e firmou-se como um dos grandes farmacêuticos que não será jamais esquecido. Um imortal, portanto, no sentido pleno do que significa este predicado.

Estou certo que a individualidade que Deus, misteriosamente, imprime em cada ser vivo nos faz diferentes para que nos agrupemos por nossas afinidades, apesar de nossas pluralidades. Sinto-me, portanto, feliz e recompensado por estar hoje ocupando esta honrosa cadeira na Academia Nacional de Farmácia e estou perante todos vocês para substanciar a profissão de fé pela profissão farmacêutica na qual minha vida tem sido pautada, a grande justificativa para que eu possa aceitar tamanha responsabilidade que me acompanhará o resto de minha vida.

Certamente, minha jornada farmacêutica começou ainda criança observando os ousados passos de meu irmão, o José Maria, que muito jovem se formou em farmácia pela Universidade Federal do Pará e logo se destacou em todos os cargos que ele ocupou, firmando-se como exemplar professor e cientista. Certamente, ele despertou em mim a inquietude da ciência e me pegou a mão para dar o primeiro (e mais difícil) passo. Suas lições silenciosas sobre questões éticas e intelectuais jamais serão esquecidas. Mais tarde, meu irmão José Luís tornou-se farmacêutico com idêntico perfil e, pronto, estava decidido: seria eu, também, farmacêutico!

No entanto, preciso confessar que meu primeiro ímpeto profissional foi ser professor, pois tinha o exemplo vivo de minha irmã, Barbara que, hoje e sempre, é meu ícone de intelectualidade e perfeição. Ficava, então, com o coração dividido entre meus irmãos-heróis. Aliado a isto somou-se o fato que as outras irmãs, Maria Joaquina e Maria José, também eram professoras e, mais tarde, meu irmão José Acilino, também iria engrossar as fileiras dos professores de minha família. Hoje sou professor e farmacêutico, o que faz minhas angústias juvenis se assentarem sabendo que segui, seguro, os passos de tantas marias e josés.

E o destino havia, também, de dar sua contribuição, apresentando-me, pois, uma farmacêutica e professora, a Georgete, com quem divido a vida há mais de 20 anos. A farmácia tem ajudado a costurar o cotidiano ondulante e fazer novo cada dia.

Devo confessar, ainda, que quando criança queria muito ser mecânico para seguir a profissão de meu velho pai, Benedito. Talvez duas frases sábias proferidas por ele, que ecoam em minha mente até hoje, foram decisivas para trilhar outro caminho: “eu me sujo de graxa para que meus filhos vistam branco” e “não há nada que um homem faça que você não possa fazer igual e melhor”. E já que estou revisando minha memória afetiva em buscas das razões de eu ser merecedor de sua atenção neste discurso, confesso que também há em mim muito da personalidade de minha amantíssima mãe Scila, que sempre teve uma atitude positiva diante da vida. Ainda hoje, o exemplo de meus já idosos pais é o maior estímulo a prosseguir com retidão e firmeza em meu trabalho.

Para quê tamanha viagem aos recônditos de minha memória para justificar meu orgulho por este momento solene ao qual todos presenciamos? Talvez porque seja assim a minha maneira de dizer que “somos aquilo que sonhamos”. Todos temos desejos e sonhos que, sejam plausíveis ou absurdos, acabam se esvaindo pelo caminho deixando um vazio em alguma época da vida. Todos somos assombrados por decisões mal feitas, opções mal escolhidas ou erros confessos.

No entanto, certamente, todos somos muito mais do que aquilo que não fizemos. Somos todos, sem exceção, frutos das boas opções que fizemos e que continuamos a fazer em nossas vidas. Todavia, o que não se concretizou ou nossos erros também são misturadas à argamassa de nossa história e nos fortalece ao invés de derrotar. Nossas fraquezas são lembretes constantes de nossa humanidade. As derrotas, apenas detalhes diante da imensa vitória que é a vida de cada um.

Em mim, atesto, convivem o farmacêutico, o professor, o mecânico, o artista, o músico, o astronauta… O que sonho ou sonhei, faz parte de minha história de maneira tão viva quanto a mais palpável conquista pessoal ou profissional.

Desde que me formei em Farmácia, há 27 anos, tenho me dedicado à tarefa de não decepcionar minha história. Tenho a alegria de já ter feito de tudo um pouco em minha vida profissional. Comecei como oficial farmacêutico na Marinha do Brasil e prossegui como oficial da Polícia Militar cobrindo importantes 15 anos de minha vida profissional onde aprendi o ofício das análises clínicas e como ser um profissional ético. Paralelamente, fui professor de Bioquímica do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Pará. Também, fui professor de Bioquímica no Centro Universitário do Pará (CESUPA) e da Escola Superior da Amazônia (ESAMAZ) onde tive a honra, também, de ser o primeiro coordenador dos cursos de Farmácia dessas Instituições de Ensino Superior. Fui professor, também, nos cursos técnicos do Centro de Ensino Técnico do Pará (CETEP) e das Escolas Estaduais Visconde de Souza Franco e Zacharias de Assunção.

Preciso citar que fui, por um breve período, assessor da Secretaria de Saúde do Estado do Pará onde pude conviver com um lado sombrio do serviço público que diz respeito às maquinações políticas necessárias para se garantir as ações tão primordiais para a saúde coletiva que é a política de medicamentos. Graças a Deus, saí impoluto dessa experiência e com grande conhecimento de como funciona a política de saúde pública.

Foi, contudo, na Universidade Federal do Pará, onde sou Professor Adjunto do Instituto de Ciências Biológicas desde 1996 (17 anos), que encontrei o verdadeiro sentido de minha vida profissional. Por intermédio dessa fabulosa Universidade, pude realizar meu Mestrado em Ciências Biológicas e ir à Londres concluir meu doutorado em Genética e Biologia Molecular. Na UFPA, o amor à Farmácia, especificamente à área de análises clínicas, se mistura à paixão pela docência e me completa como profissional, pesquisador e ser humano. Em cada projeto que me envolvo, sinto estar cumprindo a vontade de meus pais em ser um homem honrado.

Outra importante parte de minha vida profissional tem sido desenvolvida no Conselho Regional de Farmácia, onde exerço, atualmente, a função de Vice-Presidente. Lá, pude aprender o verdadeiro modelo de farmacêutico que a população necessita. Por meio do CRF-PA, pude conviver com as mais brilhantes mentes de nossa profissão como membro de comissões voltadas para a educação farmacêutica no Ministério de Educação e no Conselho Federal de Farmácia. Pelo CRF-PA pude preencher as lacunas que existiam em minha formação intelectual e aprendi que há hora de ser paciente e de ser impetuoso, como muito bem é descrita a personalidade do Patrono da Cadeira Nº 66, Dr. Araújo Feio, que agora ocupo na Academia Nacional de Farmácia.

A profissão farmacêutica vem testemunhando um período crítico de superação de décadas de submissão aos interesses econômicos impostos pelas empresas farmacêuticas e pela agressividade do mercado que, muitas vezes, subjuga o fervor profissional. As novas gerações de farmacêuticos brotam aos milhares a cada ano no Brasil e são responsáveis pelo acelerado passo na mudança do pensamento tão almejada por minha geração.

Todavia, a enorme quantidade de cursos de Farmácia autorizados pelo MEC a funcionar no Brasil (416, até o presente momento) talvez deponha contra a qualidade do que se deseja como ideal para a educação farmacêutica. Ainda que precisemos muito caminhar para resgatar a identidade de profissional indispensável e indissociável da sociedade brasileira, decerto há que se rever as Diretrizes Curriculares Nacionais e ter coragem de corrigir suas incongruências. Cito Paulo Freire que em suas palavras define muito bem o momento atual da política nacional de educação farmacêutica:

“Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina”

É tempo de ter a coragem e reabrir as discussões sobre a forma como os conteúdos dos cursos de Farmácia brasileiros devam ser abordados para favorecer o crescimento da profissão não apenas para o aumento da oferta de mão de obra para um mercado que mesmo farto, ainda não paga ao Farmacêutico o seu verdadeiro preço. Um pagamento não apenas monetário, mas também moral.

É tempo de discutir e apresentar alternativas à abertura desenfreada de novos cursos de Farmácia que enriquece as estatísticas da política de educação superior, porém bota em xeque a tão pregada qualidade do farmacêutico egresso das IES brasileiras.

Vejo a Academia Nacional de Farmácia como um celeiro de conhecimento do ser farmacêutico e que estará na linha de frente juntos aos órgãos de classe dando o suporte intelectual e moral para as mudanças tão necessárias que não tardarão a vir.

Senhores acadêmicos, ilustres autoridades, queridos amigos e familiares, amada esposa: creio que a pergunta original que me levou a desfiar fragmentos de minha vida e divagar sobre a política educacional e de saúde do Brasil, ainda não foi respondida e, talvez, não deva ser, afinal.

Por que mereço a honraria de ocupar este assento até os últimos dias de minha vida e além dela? Como fazer honrar esta comenda e ser digno da lembrança post mortem, tal meu Patrono, Dr. Paulo Lacerda de Araújo Feio?

A resposta, enfim, espero dá-la com meu voto de compromisso para com a Academia Nacional de Farmácia honrando seus princípios e fazendo valer este status de imortal que enfim, como diria, paradoxalmente, Vinicius de Moraes: “(…) não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”.

Esta é minha profissão de fé a todos os presentes e à Academia Nacional de Farmácia: fazer da Farmácia um bem infinito enquanto durar minha breve existência.

Muito obrigado e que Deus nos abençoe e nos guarde.